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Os fortes rumores que passaram a correr céleres pelo porto de
Nova York (EUA) garantiam haver muito mais riqueza no compartimento
de carga do que podiam imaginar os passageiros do luxuoso
transatlântico R.M.S. Republic, quando o navio, pertencente à
companhia inglesa White Star Line, levantou âncora na tarde de 22 de
janeiro de 1909. Segundo os boatos, longe dos olhos daquelas pessoas
que subiram a bordo apenas em busca de diversão e descanso - levando
imensos volumes de bagagem, jóias raríssimas e luxuosas roupas para
as férias no Mediterrâneo -, um grande tesouro em reluzentes moedas
de ouro, avaliado hoje em mais de um bilhão de dólares, havia sido
embarcado secretamente. O R.M.S. Republic não teve tempo de dar
mais de uma noite de conforto e tranqüilidade a seus passageiros.
Suas luxuosas salas de jantar ofereceram uma única refeição e seus
salões de jogos testemunharam bem pouco da alegria prometida para
aquela viagem. Muitas festas ficaram por acontecer, várias conversas
acabaram adiadas e caixas de charutos cubanos deixaram de ser
fumadas, pois as ocasiões especiais em que caberiam os legítimos
"Havanas" deram lugar a uma terrível surpresa logo no segundo dia de
viagem.
A apenas 200 quilômetros de Nova York e próximo à Ilha de
Nantucket, costa do Estado de Massachussets, no nordeste dos Estados
Unidos, o Republic encontrou uma densa neblina. A maioria dos
passageiros, entre eles o senhor Mooney, o homem mais rico do Estado
de Dakota, e Eugene Lynch, grande empresário de Boston, descansavam
em suas cabines, na companhia das esposas. Seus sonhos eram povoados
pelas idílicas ilhas do Mediterrâneo, com gaivotas brancas e muito
calor - ao contrário do branco inverno norte-americano... Pouco
antes das seis horas da manhã, no entanto, ouviu-se em todo o navio
um grande estrondo. As luzes se apagaram. E todo e qualquer
resquício de visão ainda possível em toda aquela névoa, desapareceu
de súbito. O luxuoso transatlântico acordou com medo. Um navio de
bandeira italiana, batizado de Florida, também se encontrava perdido
na neblina, pois era simplesmente impossível seguir o curso original
naquele inferno branco. Era apenas questão de tempo para que um
desastre acontecesse. E, então, aconteceu. A proa do Florida atingiu
o Republic a bombordo, destruindo imediatamente seis cabines. Entre
elas, as do senhor Mooney e da senhora Lynch, que morreram na hora.
Quatro tripulantes do navio italiano também não resistiram à
colisão, apesar de terem sido bem menores os seus estragos. O
Florida atingiu também a sala de máquinas do transatlântico inglês,
arrastando no choque uma das grossas portas de ferro maciço cuja
função era impedir que a água entrasse no compartimento e alagasse
os motores caso o casco fosse rompido. Com a porta arrancada, a água
gelada do mar invadiu rapidamente a casa de máquinas. Para evitar
uma possível explosão, as caldeiras foram desligadas, deixando o
barco apenas com a energia elétrica armazenada em suas baterias. Seu
uso ficaria limitado ao telégrafo sem fio - novidade tecnológica que
viria a ser a salvação das 1.650 pessoas a bordo das duas
embarcações. O navio, considerado inafundável em qualquer tipo de
colisão, via-se agora em riscos reais de naufrágio. Logo nas
primeiras horas daquele sábado, todos os passageiros foram
orientados pela tripulação a abandonar suas cabines e a se reunir no
convés principal. Apesar da situação ser extremamente preocupante, o
capitão Sealby falou a seus passageiros com muita calma. Explicou
que o R.M.S. Republic não iria afundar, mas que - por uma simples
questão de segurança - seria iniciada imediatamente a transferência
para o Florida, em melhores condições. Ele não estava mentindo: de
fato, acreditava do fundo do coração que era impossível seu navio ir
a pique. Os tripulantes se revezavam para ajudar os passageiros,
em sua maioria mulheres, a embarcar nos botes salva-vidas. Apesar do
mar calmo e da claridade do dia, a teimosa neblina permanecia
incansável, dificultando a operação de emergência. Até os mais
corajosos hesitavam nas escorregadias plataformas por onde se
realizava a operação de salvamento. Era como descer em direção ao
nada. Apesar do frio intenso, cada passageiro carregava apenas a
roupa do corpo. Não tiveram permissão para voltar às cabines e
buscar alguns pertences, nem havia espaço nos botes e no Florida
para bagagens extras. O embarque no navio italiano era ainda
mais penoso do que o desembarque do Republic. Escadas de corda
aguardavam os novos passageiros, que, apesar de exaustos, se
agarravam a elas conscientes de que eram o único elo a separar a
vida da morte. Por fim, todos chegaram ao Florida
vivos.
Enquanto isso, o telégrafo permaneceu sem descanso
durante aquela manhã inteira. Logo após a colisão, Jack Binns, seu
operador, mandou mensagens de socorro para todos os navios em um
raio de 500 km. Obteve respostas otimistas. O Baltic, também navio
da White Star Line, respondeu que já estava se dirigindo para a
região de Nantucket. Mas as horas passavam e nada. Então,
finalmente, 12 horas após o acidente. por volta das seis horas da
tarde, um estranho som de apito ecoou como a mais doce música nos
ouvidos dos passageiros reunidos no Florida naquele entardecer.
Tanto italianos desabrigados - que fugiam das terras devastadas
pelos terremotos que haviam sacudido o sul da Itália em dezembro -
quanto os ricos cidadãos americanos em busca de lazer nas cálidas
terras mediterrâneas, se aglomeraram no convés superior para a
confirmação de suas expectativas. A esperança de que fosse o tão
aguardado Baltic tornou-se, enfim, realidade, enchendo de alívio
aqueles corpos cansados. No entanto, o navio apenas passou próximo
ao Florida, dando sinal de que voltaria, e apressou-se para alcançar
o Republic. As horas que se seguiram foram de revolta e
impaciência a bordo. Cerca de 1.600 pessoas aguardavam transferência
para o Baltic, que permanecia misteriosamente ao lado do Republic. O
Capitão Sealby ordenou que a correspondência transportada pelo
transatlântico inglês fosse levada para o Baltic, garantindo assim
uma entrega pontual. Durante quatro horas e meia foram transferidos
3.200 sacos de cartas. Junto com a correspondência, uma segunda leva
de tripulantes deixou o Republic. Apesar de Sealby ter liberado quem
quisesse ir embora, alguns corajosos marinheiros continuaram ao lado
de seu capitão. Finalmente, o Baltic seguiu em direção ao
Florida. Os passageiros foram então deslocados de um barco para
outro, com os botes superlotados gastando 83 viagens. A operação de
transferência durou a madrugada e a manhã do domingo, em meio a uma
chuva insistente e ao mar bastante agitado. Os botes navegavam no
limite de peso, o que dificultava o alcance às escadas improvisadas
para o embarque. Algumas pessoas chegaram a cair no mar. Ao serem
resgatadas, às vezes eram puxadas pelas roupas, outras pelos
cabelos.
OBaltic se aproximou uma segunda vez do Republic e
permaneceu ao seu lado por algum tempo, até a chegada dos outros
navios que atenderam ao pedido de socorro e tentariam rebocá-lo. O
apito que o Baltic emitiu ao se despedir dava aos passageiros salvos
um alívio até maior do que aquele de sua chegada. Afinal, agora
partiam para Nova York com a esperança de que ainda resgatariam suas
preciosas bagagens num futuro próximo. Contudo, o R.M.S.
Republic agonizava. As tentativas de reboque foram em vão. No início
daquela noite, o capitão percebeu que o barco não sobreviveria. A
popa já estava tão baixa que as ondas quebravam no convés superior.
O navio dava seus últimos suspiros. Às 8h30 da noite, foi a pique. O
capitão e a tropa voluntária permaneceram até o último minuto, como
bons homens do mar, e foram retirados da água por botes do Gresham,
um dos rebocadores. Nunca houve operação de salvamento como a que
ocorreu durante as 39 horas que separaram o momento da colisão do
instante em que o Republic afundou. Foram feitas um total de 2.494
tranferências entre navios, sem qualquer acidente fatal, sucesso que
permanece até hoje um exemplo imbatível de resgate em mar aberto. O
telégrafo foi usado pela primeira vez para pedidos de socorro e se
tornou indispensável a partir daí. Seu operador foi convidado a
trabalhar no Titanic, também da frota da White Star Line, mas
recusou o convite. Talvez alguém lá em cima não queria vê-lo passar
por um sufoco ainda pior, pois o Titanic, o navio que "nem Deus
poderia afundar", encontraria seu trágico fim três anos após o
naufrágio do Republic, mas sem o mesmo sucesso no saldo de
vidas. Hoje, o Republic encontra-se no fundo do Oceano Atlântico,
a cerca de 80 metros de profundidade e 80 km ao sul da Ilha de
Nantucket. Porém, não repousa tranqüilo, pois levou consigo um
mistério. Além das jóias e das porcelanas inglesas, sepultadas sob
uma densa camada de areia e entulho, armazenadas em caixas bem
escondidas, provavelmente nos bagageiros do navio, podem estar
toneladas de moedas de ouro, se os boatos que correram na época
estavam certos. Pelos cálculos atuais, o montante atingiria a marca
de mais de um bilhão de dólares!
Essa fortuna não estava na
lista de nenhum dos passageiros, muito menos nas encomendas que
seguiam dos Estados Unidos para a Europa. Poderia ter sido
transferida durante a operação de salvamento, hipótese pouco
provável devido à dificuldade da tarefa. Os rumores sobre o ouro
fantasma começaram a circular por entre os ouvidos de exploradores e
aventureiros nem bem o corpo do navio esfriou. Alguns afirmam que
o dinheiro teria sido recolhido pela Cruz Vermelha americana para
ajudar na reconstrução das terras italianas, devastadas pelo
terremoto de dezembro de 1908. Outros acreditam que seria usado para
o pagamento da tripulação de outras embarcações da companhia White
Star Line e também para o reabastecimento desses navios. Ambas as
hipóteses esbarram em um problema: um bilhão de dólares é muito, mas
muito ouro. Daria, na época, para pagar todos os marinheiros dos
Estados Unidos juntos ou para construir várias cidades iguais a
Nápoles. As especulações atravessaram o século. Existiria
realmente esse ouro? E se o mito for verdade, de quem era?
Continuaria ele no Republic? Para onde iria? E serviria para quê?
Por isso surgiu uma terceira teoria, baseada em estudos da economia
da época, afirmando uma coisa maluca e ao mesmo tempo fantástica,
que colocaria o Republic em ponto de grande importância para a
História contemporânea. Diz a teoria que as moedas seriam parte de
um empréstimo do governo francês à Rússia czarista. O tesouro teria
sido mantido em segredo devido a comprometimentos políticos que
colocariam em risco as alianças firmadas antes da Primeira Guerra
Mundial. Seja como for, acredita-se que o Republic levou consigo
para o fundo daquelas águas escuras e gélidas uma quantidade de ouro
inimaginável até para as mais ricas famílias que passaram por seus
salões. As tentativas de resgate ainda não conseguiram tirar de seu
sepulcro submarino mais do que pratos de porcelana, vinhos e
talheres. Seus mais profundos segredos permanecem inalcançáveis ao
homem, protegidos por toneladas de entulho e rodeado de tubarões, em
uma região que possui uma das piores condições de tempo de todo o
Atlântico Norte. |
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